sábado, 23 de maio de 2015

A Amante do Rei. Emma Campion. « Tu esquecerás a tua velha Nan. Abracei-a tão apertado que ela soltou um gritinho e me afastou de si. Eu te amo demais para esquecer-te, falei, do fundo do coração»

jdact e wikipedia

Uma inocente conhece o mundo. 1355
«(…) Meu traje, um vestido azul-celeste longo, feito de escarlate, a lã mais fina que há, e uma sobreveste verde, fora confeccionado para mim a partir do tecido das últimas roupas descartadas por minha mãe. Diferentemente de suas instruções costumeiras para que meus vestidos fossem rectos, ela determinou que a criada ajustasse este aos meus seios, que despontavam à época, e à minha cintura delgada. As mãos de Nan tremiam enquanto ela me vestia, auxiliada por outra criada, tão silenciosa quanto ela. Sem dúvida, ambas desejavam, temerosas, que minha mãe julgasse satisfatório o resultado, e que, portanto, não encontrasse motivo para explodir num ataque de fúria. Embora eu me mantivesse sentada imóvel enquanto Nan escovava os meus cabelos, a ansiedade me tornava irrequieta. Distraía-me pensando em qual seria o próspero comerciante que meu pai escolheria para mim. Sabia que ele não ficaria satisfeito com o homem mais bonito e de melhor temperamento, pois o objectivo de meu casamento era a aliança entre a nossa próspera família e uma outra, de preferência ainda mais próspera. Eu tampouco poderia esperar que o escolhido fosse alguém da minha idade. Por algum tempo eu pensara que Geoffrey, meu melhor amigo, pudesse ser esse alguém; no entanto, pouco antes seus pais o haviam mandado para uma casa nobre, onde ele serviria como pajem. Vendo meu desapontamento, meu pai lembrara-me que, embora os Chaucer fossem suficientemente ricos e respeitáveis, o filho deles tinha apenas 13 anos. Antes de casar-se, um jovem deve ter uma ocupação ou uma herança que lhe permita sustentar o seu lar, e Geoffrey não tinha nenhuma das duas. O meu pensamento desviou-se dessas preocupações quando Nan pediu que eu me virasse, a fim de que ela pudesse conferir se estava tudo devidamente abotoado e arrumado. Nan bateu palmas enquanto eu girava, mas, quando voltei a ficar de frente para ela, vi que chorava. Nan, o que há? Até o fim do dia tu terás uma dúzia de propostas de matrimónio e já estarás casada no Natal, lamentou ela. Então eu não te verei mais. Tu esquecerás a tua velha Nan. Abracei-a tão apertado que ela soltou um gritinho e me afastou de si. Eu te amo demais para esquecer-te, falei, do fundo do coração. Tu vais arruinar todo o meu trabalho, protestou Nan, mas percebi que ela tinha ficado bem contente. Quando entrei no saguão, meu irmão John parou de andar de um lado para o outro para me ver e, em seguida, baixou o olhar, inclinando de leve a cabeça como se procurasse qualquer coisa no chão. O que foi?, perguntei. Ele tornou a erguer o olhar, primeiro para o meu rosto, agora ruborizado, depois para o meu longo pescoço desnudo. Vestida assim, quase não te reconheço, murmurou ele, voltando-se para o meu pai, que se juntara a nós. Pelo amor de Deus, Alice, não mordas o lábio. Meu pai chamou-me de lado. Não há razão para queixas. Hoje deves festejar a tua juventude e beleza, hã? Ele tomou a minha mão, fez uma reverência, beijou-a e deu um passo para trás, para dar uma boa olhada em mim. Minha filha, falou entre os dentes. Não sorriu, mas também não demonstrou desagrado. Estou bonita, pai?, perguntei, confundida pela sua expressão. Sim, claro! Tua mãe ficará orgulhosa de ti hoje. Todos nós ficaremos. Agora o senhor poderá dizer-me quem estará observando-me mais atentamente enquanto eu fizer as minhas orações hoje. Sei que o senhor conversou com alguém. Ele tirou o chapéu e esfregou a testa, suando apesar do frio que fazia no saguão. Tu o verás logo logo, Alice. Caminha com humildade e sorri com doçura para quem te cumprimentar. Será ainda melhor se houver pretendentes de reserva, não? Ele levantou a mão para afagar o meu ombro, como era seu costume, mas de repente corrigiu-se, deixando-a cair. Percebi que, assim como John, ele me achava diferente e, de algum modo, intocável. Eu sentia-me febril, enjoada e desejava fugir.
Mas minha mãe acabara de entrar no saguão, descendo do solário. Ela parou à porta com tal ar de elegância e tamanha autoridade que me senti como fosse Mary, minha irmã de 5 anos, descalça e encardida. Vem na minha direcção, ordenou minha mãe. Assim o fiz, tremendo de medo sob seu pesado escrutínio. Vira-te. Obedeci novamente, como se fosse uma boneca que ela manipulasse à distância. Ela suspirou. Não temos tempo para lamentar. Não há remédio. Margery, por que dizes isso? Alice está adorável, protestou meu pai. Tu só poderias pensar desse modo, respondeu minha mãe, dirigindo-lhe um olhar intimidante. A minha única esperança é de que a presa escolhida por ti pense o mesmo. Seria possível que ela estivesse no escuro, assim como eu, no que dizia respeito à escolha de meu pai? Venham, John, Will. Ela suspirou diante do cabelo sujo de meu irmão mais novo. Onde está a Nan? Ainda não acabou de arrumar Mary? Minha mãe não tornou a olhar para mim. Continuei ali de pé no saguão, constrangida e sentindo-me descartada. Foi Nan, a querida Nan, que salvou o meu dia. Colocando a mão rechonchuda de Mary sobre a minha, ela pediu: Diz à tua irmã aquilo que me disseste Mary. Assim que olhei nos grandes olhos da minha irmãzinha, compreendi que o que eu via ali era amor, admiração, tudo aquilo que eu desejara ver nos olhos de meus pais e de John. Tu és tão bonita, sentenciou Mary. Quero ser igual a ti quando eu crescer. Tentada a abaixar-me para apertar aquela querida criança contra o meu peito, forcei-me a resignar-me a um beijinho na sua face momentaneamente limpa e a um leve aperto de mão. Vais comigo à igreja, minha lady Mary?, perguntei, o meu coração desmanchando-se ao ver o encantamento nos seus olhos. Tu está linda como uma aurora na Primavera, sussurrou Nan. A mãe não gosta de ser ofuscada, e o pai deu-se conta de que está prestes a deixar a casa. Não os julgue pelos seus sentimentos tolos, Alice». In Emma Campion, A Amante do Rei, 2009, tradução de Patrícia Cardoso, Editora Record, 2013, ISBN 978-850-140-467-1.

Cortesia de ERecord/JDACT

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Matemática Charadas Curiosidades Desafios João Paranhos Queiróz. «. Nas tábuas babilónicas mais tardias (aquelas dos últimos três séculos a.C.) usava-se um símbolo para indicar uma potência ausente, mas isto só ocorria no interior de um grupo numérico e não no final»

jdact

A origem do zero
«Embora a grande invenção prática do zero seja atribuída aos hindus, desenvolvimentos parciais ou limitados do conceito de zero são evidentes em vários outros sistemas de numeração pelo menos tão antigos quanto o sistema hindu, se não mais. Porém o efeito real de qualquer um desses passos mais antigos sobre o desenvolvimento pleno do conceito de zero, se é que de facto tiveram algum efeito, não está claro. O sistema sexagesimal babilónico usado nos textos matemáticos e astronómicos era essencialmente um sistema posicional, ainda que o conceito de zero não estivesse plenamente desenvolvido. Muitas das tábuas babilónicas indicam apenas um espaço entre grupos de símbolos quando uma potência particular de 60 não era necessária, de maneira que as potências exactas de 60 envolvidas devem ser determinadas, em parte, pelo contexto. Nas tábuas babilónicas mais tardias (aquelas dos últimos três séculos a.C.) usava-se um símbolo para indicar uma potência ausente, mas isto só ocorria no interior de um grupo numérico e não no final. Quando os gregos prosseguiram o desenvolvimento de tabelas astronómicas, escolheram explicitamente o sistema sexagesimal babilónico para expressar as suas fracções, e não o sistema egípcio de fracções unitárias. A subdivisão repetida de uma parte em 60 partes menores precisava que às vezes nem uma parte de uma unidade fosse envolvida, de modo que as tabelas de Ptolomeu no Almagesto (c.150 d.C.) incluem o símbolo   ou 0 para indicar isto. Bem mais tarde, aproximadamente no ano 500, textos gregos usavam o ómicron, que é a primeira letra palavra grega oudem (nada). Anteriormente, o ómicron, restringia a representar o número 70, seu valor no arranjo alfabético regular.
Talvez o uso sistemático mais antigo de um símbolo para zero num sistema de valor relativo se encontre na matemática dos maias das Américas Central e do Sul. O símbolo maia do zero era usado para indicar a ausência de quaisquer unidades das várias ordens do sistema de base vinte modificado. Esse sistema era muito mais usado, provavelmente, para registar o tempo em calendários do que para propósitos computacionais. É possível que o mais antigo símbolo hindu para zero tenha sido o ponto negrito, que aparece no manuscrito Bakhshali, cujo conteúdo talvez remonte do século III ou IV D.C., embora alguns historiadores o localize até no século XII. Qualquer associação do pequeno círculo dos hindus, mais comuns, com o símbolo usado pelos gregos seria apenas uma conjectura. Como a mais antiga forma do símbolo hindu era comumente usado em inscrições e manuscritos para assinalar um espaço em branco, era chamado sunya, significando lacuna ou vazio. Essa palavra entrou para o árabe como sifr, que significa vago. Ela foi transliterada para o latim como zephirum ou zephyrum por volta do ano 1200, mantendo-se o seu som mas não o seu sentido. Mudanças sucessivas dessas formas, passando inclusive por zeuero, zepiro e cifre, levaram as nossas palavras cifra e zero. O significado duplo da palavra cifra hoje tanto pode referir-se ao símbolo do zero como a qualquer dígito, o que não ocorria no original hindu». In pesquisa feita por João Paranhos Queiróz, Matemática, Charadas, Curiosidades, Desafios, Wikipédia.

Cortesia de Wikipedia/JDACT