quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

O Jardim sem Limites. Lídia Jorge. «Serviam-se de travessas e terrinas, falavam, liam papéis e conversavam em conjunto, horas a fio. Aliás, em breve ficaria a saber como o homem, que passava a vida metido no quintal da casa…»

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«Ou por outras palavras. Durante o Verão de 88, eu era um dos hóspedes da Casa da Arara, uma vasta fachada com dois renques de janelas donde se viam pela manhã os batelões subirem Tejo dentro, arrastando as gigantescas cargas. Se os vidros estivessem lavados, neles se espelharia a sua passagem silenciosa como nas imagens dos sonhos. Mas o que me conduziu, numa determinada manhã de Fevereiro, até um desses quartos semelhantes a casernas abandonadas durante uma operação militar faz parte do mistério da minha própria vida. Não o sei entender, e mesmo que soubesse, não viria ao caso referi-lo e muito menos explicá-lo. Apenas posso afirmar que no momento em que percebi que ali poderia permanecer semanas inteiras, sem que alguém batesse à porta nem me chamasse, e que se escrevesse pelos lençóis e pelas paredes ninguém se importaria, entendi que havia encontrado alguma coisa de semelhante a um primeiro lar. As duas mesas-de-cabeceira unidas por uma tábua tinham a altura e a configuração duma mesa de trabalho, e sobre o vão desse ninho de madeira, as teclas da Remington, repercutindo-se em duplo, transformavam as palavras que escrevia num ruído poderoso e triunfal. Não, nunca ninguém me veio bater à porta pelo barulho da máquina. Ou, se vieram, não senti. Nessa altura, eu tinha um projecto mais amplo do que o meu próprio alcance, e caminhava na escrita com o passo bruto do cavalo. Queria tudo, avançava estudando a estrada e levantando a poeira, gozando ao mesmo tempo da solidão do percurso como se fosse um álcool.
Mas não desconhecia como a casa estava povoada nem seria possível desconhecer. Naquela hospedaria que verdadeiramente não passava duma casa devoluta, várias vezes à beira de ser demolida, entalada entre dois prédios recuperados, à Rua da Tabaqueira, moravam quatro pessoas e hospedavam-se seis. Os moradores espalhavam-se pelo rés-do-chão e constituíam uma família formada por casal e dois filhos. Ela era uma mulher que se pintava de ruivo, e que em princípio deveria promover as limpezas, o que acontecia de forma bastante incerta. Todos os dias uma espécie de servente, movida por uma tensão extraordinária, trazia um balde e espalhava água e pó nos locais críticos, puxava a água e desaparecia mais rápida do que a própria descarga. De vez em quando, os hóspedes eram avisados pela servente do dia e da hora em que poderia haver uma barrela. Em geral não havia. Mas a mulher de ruivo passava a manhã em casa, e o cuidado que punha na sua própria habitação contrastava com o desleixo que reinava no primeiro andar. Os filhos deveriam ter horários demasiado preenchidos, porque só regressavam ao fim da tarde carregados de suas mochilas escolares. Também o chefe de família parecia sair da casota que ocupava no quintal apenas quando caía a noite. A mulher de ruivo saía de tarde, e um pouco antes do regresso dos filhos, chegava ela. Jantavam os quatro sob a lâmpada da cozinha, de reposteiros abertos como se quisessem partilhar com as sombras uma cena que os próprios deveriam julgar constituir uma bela realidade. Serviam-se de travessas e terrinas, falavam, liam papéis e conversavam em conjunto, horas a fio. Aliás, em breve ficaria a saber como o homem, que passava a vida metido no quintal da casa, só regressando ao fim do dia, para aquela cena de jantar, tinha a alcunha de Lanuit. A ela, à mulher ruiva que ouvia rádio e gira-discos, depois do almoço, a arrumadeira tratava em grandes brados por dona Juju. Deduzi que se chamasse Júlia. Certa manhã, ouvia-a atender o telefone que tilintava pelo corredor, a partir da casa de entrada. Soube então que a pessoa que me permitia usar a tábua e as mesas-de-cabeceira como secretária não se chamava Júlia. Ela mesma se designava ao telefone por Julieta Lanuit. Era uma figura estranha. Movia-se sobre sapatos de tacão alto, a qualquer hora do dia e da noite, parecendo aguardar constantemente uma visita rara. De tarde, quando saía pelo empedrado da Rua da Tabaqueira, ouvia-se o tiquetique da sua passada, como se transportasse nos pés dois agudos bicos de pássaro. De resto, a sua vida não me interessava». In Lídia Jorge, O Jardim sem Limites, Círculo de Leitores, Publicações dom Quixote, 1996, ISBN 972-421-325-0.

Cortesia CLeitores/JDACT

sábado, 23 de maio de 2015

A Amante do Rei. Emma Campion. « Tu esquecerás a tua velha Nan. Abracei-a tão apertado que ela soltou um gritinho e me afastou de si. Eu te amo demais para esquecer-te, falei, do fundo do coração»

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Uma inocente conhece o mundo. 1355
«(…) Meu traje, um vestido azul-celeste longo, feito de escarlate, a lã mais fina que há, e uma sobreveste verde, fora confeccionado para mim a partir do tecido das últimas roupas descartadas por minha mãe. Diferentemente de suas instruções costumeiras para que meus vestidos fossem rectos, ela determinou que a criada ajustasse este aos meus seios, que despontavam à época, e à minha cintura delgada. As mãos de Nan tremiam enquanto ela me vestia, auxiliada por outra criada, tão silenciosa quanto ela. Sem dúvida, ambas desejavam, temerosas, que minha mãe julgasse satisfatório o resultado, e que, portanto, não encontrasse motivo para explodir num ataque de fúria. Embora eu me mantivesse sentada imóvel enquanto Nan escovava os meus cabelos, a ansiedade me tornava irrequieta. Distraía-me pensando em qual seria o próspero comerciante que meu pai escolheria para mim. Sabia que ele não ficaria satisfeito com o homem mais bonito e de melhor temperamento, pois o objectivo de meu casamento era a aliança entre a nossa próspera família e uma outra, de preferência ainda mais próspera. Eu tampouco poderia esperar que o escolhido fosse alguém da minha idade. Por algum tempo eu pensara que Geoffrey, meu melhor amigo, pudesse ser esse alguém; no entanto, pouco antes seus pais o haviam mandado para uma casa nobre, onde ele serviria como pajem. Vendo meu desapontamento, meu pai lembrara-me que, embora os Chaucer fossem suficientemente ricos e respeitáveis, o filho deles tinha apenas 13 anos. Antes de casar-se, um jovem deve ter uma ocupação ou uma herança que lhe permita sustentar o seu lar, e Geoffrey não tinha nenhuma das duas. O meu pensamento desviou-se dessas preocupações quando Nan pediu que eu me virasse, a fim de que ela pudesse conferir se estava tudo devidamente abotoado e arrumado. Nan bateu palmas enquanto eu girava, mas, quando voltei a ficar de frente para ela, vi que chorava. Nan, o que há? Até o fim do dia tu terás uma dúzia de propostas de matrimónio e já estarás casada no Natal, lamentou ela. Então eu não te verei mais. Tu esquecerás a tua velha Nan. Abracei-a tão apertado que ela soltou um gritinho e me afastou de si. Eu te amo demais para esquecer-te, falei, do fundo do coração. Tu vais arruinar todo o meu trabalho, protestou Nan, mas percebi que ela tinha ficado bem contente. Quando entrei no saguão, meu irmão John parou de andar de um lado para o outro para me ver e, em seguida, baixou o olhar, inclinando de leve a cabeça como se procurasse qualquer coisa no chão. O que foi?, perguntei. Ele tornou a erguer o olhar, primeiro para o meu rosto, agora ruborizado, depois para o meu longo pescoço desnudo. Vestida assim, quase não te reconheço, murmurou ele, voltando-se para o meu pai, que se juntara a nós. Pelo amor de Deus, Alice, não mordas o lábio. Meu pai chamou-me de lado. Não há razão para queixas. Hoje deves festejar a tua juventude e beleza, hã? Ele tomou a minha mão, fez uma reverência, beijou-a e deu um passo para trás, para dar uma boa olhada em mim. Minha filha, falou entre os dentes. Não sorriu, mas também não demonstrou desagrado. Estou bonita, pai?, perguntei, confundida pela sua expressão. Sim, claro! Tua mãe ficará orgulhosa de ti hoje. Todos nós ficaremos. Agora o senhor poderá dizer-me quem estará observando-me mais atentamente enquanto eu fizer as minhas orações hoje. Sei que o senhor conversou com alguém. Ele tirou o chapéu e esfregou a testa, suando apesar do frio que fazia no saguão. Tu o verás logo logo, Alice. Caminha com humildade e sorri com doçura para quem te cumprimentar. Será ainda melhor se houver pretendentes de reserva, não? Ele levantou a mão para afagar o meu ombro, como era seu costume, mas de repente corrigiu-se, deixando-a cair. Percebi que, assim como John, ele me achava diferente e, de algum modo, intocável. Eu sentia-me febril, enjoada e desejava fugir.
Mas minha mãe acabara de entrar no saguão, descendo do solário. Ela parou à porta com tal ar de elegância e tamanha autoridade que me senti como fosse Mary, minha irmã de 5 anos, descalça e encardida. Vem na minha direcção, ordenou minha mãe. Assim o fiz, tremendo de medo sob seu pesado escrutínio. Vira-te. Obedeci novamente, como se fosse uma boneca que ela manipulasse à distância. Ela suspirou. Não temos tempo para lamentar. Não há remédio. Margery, por que dizes isso? Alice está adorável, protestou meu pai. Tu só poderias pensar desse modo, respondeu minha mãe, dirigindo-lhe um olhar intimidante. A minha única esperança é de que a presa escolhida por ti pense o mesmo. Seria possível que ela estivesse no escuro, assim como eu, no que dizia respeito à escolha de meu pai? Venham, John, Will. Ela suspirou diante do cabelo sujo de meu irmão mais novo. Onde está a Nan? Ainda não acabou de arrumar Mary? Minha mãe não tornou a olhar para mim. Continuei ali de pé no saguão, constrangida e sentindo-me descartada. Foi Nan, a querida Nan, que salvou o meu dia. Colocando a mão rechonchuda de Mary sobre a minha, ela pediu: Diz à tua irmã aquilo que me disseste Mary. Assim que olhei nos grandes olhos da minha irmãzinha, compreendi que o que eu via ali era amor, admiração, tudo aquilo que eu desejara ver nos olhos de meus pais e de John. Tu és tão bonita, sentenciou Mary. Quero ser igual a ti quando eu crescer. Tentada a abaixar-me para apertar aquela querida criança contra o meu peito, forcei-me a resignar-me a um beijinho na sua face momentaneamente limpa e a um leve aperto de mão. Vais comigo à igreja, minha lady Mary?, perguntei, o meu coração desmanchando-se ao ver o encantamento nos seus olhos. Tu está linda como uma aurora na Primavera, sussurrou Nan. A mãe não gosta de ser ofuscada, e o pai deu-se conta de que está prestes a deixar a casa. Não os julgue pelos seus sentimentos tolos, Alice». In Emma Campion, A Amante do Rei, 2009, tradução de Patrícia Cardoso, Editora Record, 2013, ISBN 978-850-140-467-1.

Cortesia de ERecord/JDACT

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Matemática Charadas Curiosidades Desafios João Paranhos Queiróz. «. Nas tábuas babilónicas mais tardias (aquelas dos últimos três séculos a.C.) usava-se um símbolo para indicar uma potência ausente, mas isto só ocorria no interior de um grupo numérico e não no final»

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A origem do zero
«Embora a grande invenção prática do zero seja atribuída aos hindus, desenvolvimentos parciais ou limitados do conceito de zero são evidentes em vários outros sistemas de numeração pelo menos tão antigos quanto o sistema hindu, se não mais. Porém o efeito real de qualquer um desses passos mais antigos sobre o desenvolvimento pleno do conceito de zero, se é que de facto tiveram algum efeito, não está claro. O sistema sexagesimal babilónico usado nos textos matemáticos e astronómicos era essencialmente um sistema posicional, ainda que o conceito de zero não estivesse plenamente desenvolvido. Muitas das tábuas babilónicas indicam apenas um espaço entre grupos de símbolos quando uma potência particular de 60 não era necessária, de maneira que as potências exactas de 60 envolvidas devem ser determinadas, em parte, pelo contexto. Nas tábuas babilónicas mais tardias (aquelas dos últimos três séculos a.C.) usava-se um símbolo para indicar uma potência ausente, mas isto só ocorria no interior de um grupo numérico e não no final. Quando os gregos prosseguiram o desenvolvimento de tabelas astronómicas, escolheram explicitamente o sistema sexagesimal babilónico para expressar as suas fracções, e não o sistema egípcio de fracções unitárias. A subdivisão repetida de uma parte em 60 partes menores precisava que às vezes nem uma parte de uma unidade fosse envolvida, de modo que as tabelas de Ptolomeu no Almagesto (c.150 d.C.) incluem o símbolo   ou 0 para indicar isto. Bem mais tarde, aproximadamente no ano 500, textos gregos usavam o ómicron, que é a primeira letra palavra grega oudem (nada). Anteriormente, o ómicron, restringia a representar o número 70, seu valor no arranjo alfabético regular.
Talvez o uso sistemático mais antigo de um símbolo para zero num sistema de valor relativo se encontre na matemática dos maias das Américas Central e do Sul. O símbolo maia do zero era usado para indicar a ausência de quaisquer unidades das várias ordens do sistema de base vinte modificado. Esse sistema era muito mais usado, provavelmente, para registar o tempo em calendários do que para propósitos computacionais. É possível que o mais antigo símbolo hindu para zero tenha sido o ponto negrito, que aparece no manuscrito Bakhshali, cujo conteúdo talvez remonte do século III ou IV D.C., embora alguns historiadores o localize até no século XII. Qualquer associação do pequeno círculo dos hindus, mais comuns, com o símbolo usado pelos gregos seria apenas uma conjectura. Como a mais antiga forma do símbolo hindu era comumente usado em inscrições e manuscritos para assinalar um espaço em branco, era chamado sunya, significando lacuna ou vazio. Essa palavra entrou para o árabe como sifr, que significa vago. Ela foi transliterada para o latim como zephirum ou zephyrum por volta do ano 1200, mantendo-se o seu som mas não o seu sentido. Mudanças sucessivas dessas formas, passando inclusive por zeuero, zepiro e cifre, levaram as nossas palavras cifra e zero. O significado duplo da palavra cifra hoje tanto pode referir-se ao símbolo do zero como a qualquer dígito, o que não ocorria no original hindu». In pesquisa feita por João Paranhos Queiróz, Matemática, Charadas, Curiosidades, Desafios, Wikipédia.

Cortesia de Wikipedia/JDACT

domingo, 9 de novembro de 2014

Estâncias Reunidas. Poesia. António Cândido Franco. «Estrelas de cor carnal feitas com a pele da terra. Rochas. Calhaus miúdos. Cor evaporando-se num oceano de humidade. Vejo a terra a largar a pele. O último livor do seu rosto…»

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Estâncias
[…]
«Noite dentro de mim
sem fundo e sem fim
onde o coração
faz a vez de uma estrela.
Noite íntima
cheia de trevas
onde tudo esteve sempre apagado
e se ouve só
contra a pele
o incêndio invisível de uma flor.
Noite sem lugar
onde não corre sangue
e as formas são o imaginado.
Noite sem cinza e sem luar.
Noite solar
feita de escuridão
que é a memória da luz do dia.
Formas vazias
a brilharem na plenitude de nada.
Formas nocturnas
anteriores à vida
a cintilarem na indiferença do céu.
Formas sem forma.
Escuridão de luz
que é lembrança de sangue
e luar negro
que é origem de um sol.

Noite sem coisas
feita de mistério
girando em torno da treva
e da memória.
Princípio e fim
tocando-se no negrume.
Noite com o lume no ventre.
Noite
transportando dentro de si o dia.
As palavras que há em mim
são o equivalente
desta noite inicial e muda
onde o sol se cria.
Verbo encarnado
na escuridão do meu silêncio
como uma estrela na amplidão do céu.
Há em mim um firmamento
em que as coisas perdem sangue
e ganham nome.
Na minha noite íntima
há palavras feitas de sombra
que são a memória do sol.
Ideias que palpitam
dentro de mim.
É com tinta preta
que eu digo a palavra luz.
É com a tinta escura da noite
que eu escrevo a palavra sol.
É com a tinta invisível
da memória
que eu revelo o mundo.

Onde essa tinta se derrama
a seiva escorre
e as sementes germinam.
Essa tinta desperta a luz
e acorda as pedras.
Na escuridão do meu silêncio
a palavra ressuscita
e exuma o que está esquecido.
Na caligem do meu ser
a memória faz levedar o nada.
Na minha noite íntima
a saudade acorda os mortos».
Poema de António Cândido Franco, in ‘Estâncias Reunidas

In António Cândido Franco, Estâncias Reunidas, 1977-2002, Quasi edições, biblioteca Finita Melancolia, Vila Nova de Famalicão, 2002, ISBN 972-8632-64-9.

Cortesia de Quasi/JDACT

sábado, 1 de novembro de 2014

A Hora Universal dos Portugueses. Pedro Veiga. «Foi ela a vítima dessa epopeia ingente que assombra pela desproporção entre as forças da nação empreendedora e os resultados alcançados. Ganha assim universal significação o simbolismo lusista ‘do pelicano’»

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«(…) Terminou por triunfar a política da expansão e a terra viu-se despovoada de gente, abandonada e bravia. As empresas marítimas absorviam todos os braços que o interior precipitava nos boqueirões dos portos. Os viajantes que na era de Quinhentos peregrinavam por Portugal são unânimes em reconhecer que a nossa economia natural deperecia, para concentrarmos toda a actividade nos misteres lucrativos mas parasitários da troca e exploração das produções orientais. E este geral sintoma observado na terra portuguesa de novo se observa em Espanha, pelo século XVI, quando o Novo Mundo, oficialmente descoberto por Colombo, possível agente secreto português (Pestana Júnior), atraiu para o torvelinho das naus os homens novos em quem chamejavam as ambições do El-Dourado. Mui a propósito invoco o testemunho do frei beneditino Benito Peñalosa Mondragon que no seu famoso e original escrito: Cinco excelencias del Español que despueblan a España para su mayor potencia y dilatación nos deixa uma pintura viva e dolorosa do estado de miséria e decadência da lavoura naquela época. Nele diz textualmente: El estado de los labradores de España en estos tiempos está el más pobre y acabado, miserable y abatido de todos los demás estados, que parece que todos ellos juntos se han aunado y conjurado a destruyrlo y a arruynarlo: y a tanto há Ilegado que suena tan mal el nombre de labrador, que es lo mismo que pechero, vlllano, grossero, malicioso y de ay baxo a quien solo adjudican las comidas grosseras, los ajos y cebollas, las migas y cecina dura, la carne morticina, el pan de cebada y centeno, las abarcas, los sayos gyronados y caperuças de bobo, los bastos cuellos y camisas de ortopa, los çurrones y toscos pellicos y çamarros […] e estas comedias y entremeses de agora los pintan y remedan haciéndolos aun más incapaces, contrahaciendo sus toscas acciones por más risa del pueblo (Pamplona, 1629).
Na glória fulva que doira de imortalidade essa hora de Quinhentos, em que as caravelas portuguesas cumprindo um destino superior à própria inteligência dos homens que as dirigiam, serviam a Civilização europeia, a terra que foi berço aos nautas comprometia na empresa a sua economia. Foi ela a vítima dessa epopeia ingente que assombra pela desproporção entre as forças da nação empreendedora e os resultados alcançados. Ganha assim universal significação o simbolismo lusista do pelicano. Os maiores, senão todos os problemas que a Europa tinha para resolver no final da Idade Média, Portugal os resolveu com as suas expedições marítimas. Descobrindo a rota oceânica das Índias, contornou o obstáculo turco e espalhou no Ocidente os produtos orientais. Ainda que de forma insuficiente para as necessidades europeias, animou o mercado dos capitais com o numerário fabricado com o oiro da Guiné e do Sudão. Introduziu novas culturas e novos produtos. Iniciou o período da navegação astronómica. Reforma o tipo de navios e tem parte essencial nos progressos da cartografia. Descobre, finalmente, os grandes itinerários marítimos para a África, Oriente e América». In Pedro Veiga, A Hora Universal dos Portugueses, Tipografia Sequeira, Prometeu, Porto, 1948.

Cortesia de T.Sequeira/JDACT